Uma rede solidária de mães de bebês com microcefalia está sendo formada no Cariri, para lutar por melhor atendimento para as crianças e mães. O trabalho tem sido feito com a participação de especialistas de várias áreas da região.
O primeiro debate para o fortalecimento da rede aconteceu no começo da semana passada, em que mães quebraram o silêncio para denunciar as péssimas condições de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Muitas delas buscaram tratamentos na Capital do Estado, em Fortaleza, mas não conseguiram bons resultados.
De acordo com boletim da Secretaria de Saúde, no Cariri foram notificados 19 casos de microcefalia, com três confirmados. Médicos, psicólogos, fisioterapeutas e enfermeiros buscam esclarecer as mães sobre as melhores formas de tratamento, mas ao mesmo tempo destacam a necessidade de uma equipe multidisciplinar para os casos.
No primeiro debate, uma das mães esteve presente para pedir melhor esclarecimento à médica pediatra de como poderia buscar condições de atendimento para sua filha, de apenas um mês e 10 dias, com microcefalia.
Facilidades
A dona de casa Dalva Tavares afirma que não tem sido fácil nos últimos dias enfrentar o sistema de saúde, para buscar o melhor acompanhamento para o seu bebê. E para isso, consiste em grande importância, segundo ela, que essa rede seja formada, porque vai facilitar assistência e acompanhamento para as mais necessitadas.
"É algo novo, que precisamos ao mesmo tempo de informações e serviços especializados", diz Dalva. Ao lado do marido, ela diz estar cheia de esperança para criar sua filha, mesmo sabendo que irá atravessar muitas dificuldades.
E não são apenas as mães de crianças que necessitam de atendimentos pelo SUS que estão passando dificuldades para encontrar melhor atendimento. Eron Tavares teve que vivenciar um drama desde que foi constatada a microcefalia em sua filha, na busca da inserção dos profissionais especializados no plano de saúde, mesmo com as condições que tinha para realizar os tratamentos. Ela afirma que tem sido importante fortalecer grupos, e para isso, tem mantido contado com profissionais da região e mães, no intuito de mobilizar a sociedade e o poder público, na finalidade de amparar, informar e oferecer condições de tratamento para as crianças com microcefalia na região.
"Toda ajuda é importante e nesse momento estamos correndo contra o tempo, para que o acompanhamento adequado seja iniciado o mais cedo possível. É disso que depende a melhor qualidade e vida desses pequenos", afirma
Sua filha tem mais de um mês de nascimento, mas ela se solidariza com mais 15 famílias que necessitam de ajuda para tratamentos efetivos e específicos. O primeiro debate com a presença das famílias, profissionais de saúde, estudantes, e claro, com a presença dos pequenos, foi realizado em Juazeiro do Norte, onde as mães ressaltaram as condições de atendimento, as tentativas de buscar ajuda profissional em Fortaleza, as péssimas condições de transporte, com outras pessoas doentes, além do período em que ficam nas filas na Capital para atendimentos. "No Cariri, diante dessa realidade, vi que tinha melhores condições do que lá. É muito sofrido, e aqui podemos ter bons profissionais, mas eles precisam de condições", diz a mãe de bebê com microcefalia, a dona de casa, Jéssica Santos, da cidade do Crato.
Emocional
As dificuldades, conforme Jéssica, começam principalmente pelas condições emocionais da própria mãe, que ainda tem que enfrentar todas essas adversidades, para ter um tratamento digno para o filho. "É uma realidade no Brasil, em que o governo tem de fornecer condições adequadas para tratar os nossos filhos", conta.
Ela relata uma experiência ruim com SUS para realizar o tratamento da filha em Fortaleza, mas a neuropediatra Cristina Alencar diz que foi preciso que as mães passassem pelas dificuldades, para que situações como essa fossem evidenciadas e houve de fato a necessidade de se criar os meios necessários de tratamento na região, como vem sendo debatido nesse momento. Primeiramente, a sua filha está fazendo os estímulos no SUS e as consultas particulares.
"Acho um desgaste muito grande para esses bebês, que se irritam com facilidade, terem que ir para Fortaleza. Aqui tem profissionais capazes de cuidar das crianças. Falta uma organização das prefeituras, de destinar profissionais para esse tratamento", diz. E ela ainda ressalta que essa tem sido uma realidade vivenciada no Brasil, já que tem estado em contato com mães de filhos com microcefalia de várias partes do Brasil.
A pediatra Lilliany Medeiros defendeu a vinda de um centro de tratamento para o Cariri, a exemplo do Núcleo de Treinamento e Estimulação Precoce (Nutep), em Fortaleza. O equipamento tem a atuação multidisciplinar de profisisonais. No caso das crianças, ela afirma que devem ser realizadas terapias pelo menos três vezes por semana. Para isso, a médica diz ser imprescindível a presença do Estado, para treinar os profissionais. Especialização
Esse trabalho de fortalecimento de famílias que estão passando pelas dificuldades de atendimento, falta de tratamentos especializados, ausência de uma rede de profissionais de saúde, além do apoio emocional, está sendo constantemente desenvolvido por iniciativa das próprias ´mães de anjo´, como se denominam as mães de bebês com a doença da microcefalia.
Elas estão compartilhando de forma constante as dificuldades enfrentadas, além de debaterem alternativas de tratamento e todos os assuntos relacionados à problemática que têm enfrentado, por meio de grupos como o do WhatsApp, o "Microcefalia no Cariri".
A coordenadora Movimento Universitário em Defesa da Mulher (MUDEM), projeto de extensão da Universidade Federal do Cariri (UFCA) Elissandra Costa de Carvalho, disse que a finalidade desse trabalho é formar principalmente uma rede de ações solidárias, para tirar as famílias do isolamento, para que elas tenham mais apoio.
Além disso, possa ser dado melhor tratamento possível às crianças. "Num segundo momento, podemos entrar em contato com o poder público, para que algumas pautas sejam reivindicadas, não que estejamos colocando o problema só nas mãos do poder público, mas querendo fazer parte desse processo de solucionar esse problema", esclarece a coordenadora.
Elissandra afirma que no Crato, Juazeiro e Barbalha, foram localizados oito casos de microcefalia, e mais três em Juazeiro do Norte. Uma das crianças, inclusive, é a sua sobrinha.
A coordenadora informou que duas perspectivas de atendimento estão sendo compartilhadas, uma pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a outra pelo sistema privado. "A gente percebe o desnível de tratamento das mães que fazem pelo sistema público", diz.
Com a filha de quatro meses, Jéssica Aguiar, relata que no período do nascimento da criança não estava no momento do surto. O problema na época não era associado ao zika vírus. A dona de casa lembrou que no terceiro mês teve sintomas da doença contraída pelo mosquito Aedes aegypti. "A minha preocupação maior era como ela ficaria nos meses consecutivos. Se ia andar, falar, e o que me recomendaram foi iniciar os estímulos, com profissionais", diz.
Desde cedo, Jéssica aprendeu que o estímulo para a criança é fundamental, e se alegra com cada passo de progresso de sua pequena, a primeira filha. "Ela está se desenvolvendo bem e é isso que quero deixar para as outras gestantes. Não vamos ter vergonha, eles são enviados de Deus. Quero deixar isso para as outras mães. Os nossos filhos têm limitações, mas vão fazer tudo, no tempo deles", afirma. Uma das suas grandes preocupações estava associada ao preconceito, mas viu com o tempo todas essas questões serem minimizadas. "Eu fui do luto à luta", ressalta.
Mais informações:
Movimento Universitário em Defesa da Mulher (MUDEM)
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